domingo, 12 de fevereiro de 2012

A EPOPÉIA DE GILGAMESH







 



Epopéia de Gilgamesh, imagens históricas referentes às lendas, como as ruínas de Uruk, a deusa Ishtar, as estátuas de Gilgamesh e Enkidu, além de outros. Essa que é uma das mais antigas lendas que se tem notícia, e está praticamente completa com poucas tabuinhas cuneiformes faltando, mesmo tendo milhares de anos, ainda pode ser empolgante de se aprender.




GILGAMESH, A EPOPÉIA

A Biblioteca de Nínive e Gilgamesh

Érica Turci

Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação


A Biblioteca de Nínive, um dos mais importantes legados da Mesopotâmia para a história, foi encontrada no século XIX por arqueólogos ingleses. Ela pertencia ao rei assírio Assurbanipal II (século VII a.C.) e era composta por uma coleção de mais ou menos 25 mil plaquetas de argila (material usado para escrita na época), com textos em cuneiforme, muitos deles bilíngües, em sumeriano e acádico.

Considerada a primeira biblioteca da história, a Biblioteca de Nínive guardava compilações de diversos tipos de texto: cartilhas sobre o mundo natural, geografia, matemática, astrologia e medicina; manuais de exorcismo e de augúrios; códigos de leis; relatos de aventuras e textos religiosos.

Sabe-se que os mesopotâmicos tinham muito apreço pela escrita.
Escolas para escribas (edubba) eram comuns nas cidades da época. Uma parábola babilônica dizia: "A escrita é a mãe da eloqüência e o pai dos artistas".

O escriba tinha grande status na sociedade e, a se julgar pela quantidade de plaquetas de argila encontradas em diversos sítios arqueológicos, pode-se imaginar a importância que esse povo dava para o registro escrito. Tamanho acervo de documentos contribuiu muito para a compreensão da cultura da Mesopotâmia.


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ZIGURATE DE UR
Literatura
A mais famosa obra literária da Mesopotâmia é a Epopéia de Gilgamesh. Gilgamesh é uma figura semilendária e teria sido rei da cidade-estado de Uruk, por volta de 2.700 a.C. Mas tudo que se conhece a respeito desse rei deve-se à epopéia construída em torno de seu nome, encontrada em 12 plaquetas de argila que constam do acervo da Biblioteca de Nínive.

A lenda conta a grande amizade entre o rei Gilgamesh, culto e refinado, e Enkidu, um homem rude, nascido e criado no deserto. Juntos, os dois viajam por terras distantes, buscando aventuras e glórias. No entanto, Enkidu adoece e morre. E, a partir desse momento, Gilgamesh passa a buscar a imortalidade.

Essa procura o leva até terras distantes, numa terrível e maravilhosa viagem, para encontrar Utnapishtim, homem abençoado pelos deuses com a imortalidade, após ter sobrevivido ao dilúvio. Utnapishtim, no entanto, faz com que Gilgamesh compreenda que a imortalidade não é característica dos homens:

"Gilgamesh, onde queres chegar nas tuas andanças?
A vida que estás procurando, nunca encontrarás.
Pois, quando criaram os homens, os deuses decidiram
Que a morte seria seu quinhão, e detiveram a vida em suas próprias mãos.
Gilgamesh, enche o teu estômago,
Faze alegres o dia e a noite,
Que os teus dias sejam risonhos.
Dança e toca música noite e dia,
[...]
Olha para o filho que está segurando a tua mão,
E deixa que tua esposa encontre prazer nos teus braços.
Só dessas coisas é que os homens devem cogitar."

Segundo o especialista em assiriologia, Jean Bottéro (em matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo, Caderno 2, 02 de maio de 1996), "o autor da epopéia quis nos ajudar a encarar com coragem, com o exemplo de um fracasso tão grande, a inevitável interrupção de nossa vida".

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ESCADA DO ZIGURATE DE UR
Sugestão de leitura
A Epopéia de Gilgamesh foi publicada no Brasil, em 2001, pela Editora Martins Fontes, na Coleção Gandhara.

*Érica Turci é historiadora e professora de história formada pela USP.

Na Suméria, o Ciclo de Gilgamesh é composto por vários poemas, contendo narrativas diferentes. É provável que o poema tenha sido constituído e recitado oralmente muito tempo antes de registros escritos. Os babilônios reuniram esses poemas e, entrelaçando suas histórias, compuseram a Epopéia de Gilgamesh. Esta, narra os feitos do famoso rei Gilgamesh, cujo nome consta como o quinto monarca da primeira dinastia pós-diluviana de Uruk, tendo reinado por 126 anos. Sua existência foi comprovada arqueologicamente: um homem, um rei, chamado Gilgamesh, viveu e reinou em Uruk, em alguma época da primeira metade do terceiro milênio a.C. O herói é descrito como dois terços deus e um terço homem, pois sua mãe era uma deusa. Dela, Gilgamesh herdou grande beleza, força e inquietude. De seu pai herdou a imortalidade. A tragédia do poema é o conflito entre os desejos do deus e o destino do homem. O primeiro episódio descreve como os deuses arranjam-lhe um companheiro que é o seu oposto. Trata-se de Enkidu, o “homem natural” criado entre os animais selvagens e rápido como uma gazela. Enkidu é seduzido por uma meretriz e a perda da inocência representa um passo irreversível para a domesticação de seu espírito selvagem. Gradualmente, ele se deixa civilizar até chegar à grande cidade de Uruk. A partir de então, ele só torna a pensar em sua antiga vida de liberdade quando está morrendo, dominado por um sentimento de dor e arrependimento. Essa história é também uma alegoria dos estágios por meio dos quais o homem atinge a civilização, partindo da selvageria, passando pelo pastoreio, até finalmente chegar à vida urbana. A grande amizade entre Gilgamesh e Enkidu, que tem início com uma luta corpo a corpo em Uruk, é o elo que liga todos os episódios da história. É Enkidu quem traz notícias sobre a misteriosa floresta de cedros e seu terrível sentinela. Esse é o tema do segundo episódio: dois heróis partem em busca da montanha e dos cedros, mas terão o desafio de enfrentar o gigante Humbaba, guardião da floresta. A jornada na floresta e a batalha daí resultante podem ser lidas em diferentes planos da realidade. A floresta é real, algumas vezes identificada com o norte da Síria ou sudoeste da Pérsia. Mas é também onde localizam-se poderes sobrenaturais e estranhas aventuras. É ainda a obscura floresta da alma.

As cidades sumérias localizavam-se geograficamente em planícies, por isso os sumérios em suas construções, necessitavam de madeira. Essa procura é a razão de todo o empreendimento de Gilgamesh que desejava ostentar o seu poder e ambição construindo templos e grandes muralhas. A arriscada aventura precisava de proteção divina e é Shamash, o deus-Sol, quem a concede. Humbaba é morto por Gilgamesh e Enkidu e o rei de Uruk é glorificado quando retorna da floresta. Nesse momento, a deusa Ishtar (da fertilidade e da guerra), “padroeira” de Uruk apaixona-se e passa a desejar Gilgamesh. Ao ser recusada, Ishtar vinga-se matando o seu amigo Enkidu. Gilgamesh fica só. Diante de seu destino, também mortal, o grande rei sai em busca da vida eterna. Após muitas aventuras, Gilgamesh percebe finalmente que não é e nem poderia ser diferente dos outros homens. O último episódio narra a morte do rei, que existe apenas na versão suméria. O final da aventura é como um feitiço que se quebra: depois da busca e de um prêmio quase ganho ( a eternidade), tudo volta ao normal com a descrição dos muros de Uruk. A décima segunda tabuinha traz o esboço de uma cosmogonia, sendo que no original sumério o poema chamava-se Gilgamesh, Enkidu e o Mundo Inferno. Essa parte da Epopéia não parece ter muita relação com o restante das aventuras, mas é lá que encontram-se traçadas as concepções sumérias de criação do cosmos.